Luiz Mendes: O Orador

Conforme já publicado Casmerim é um encanto da floresta que nos chega por meio do corpo, da voz, da presença/performance de Luiz Mendes do Nascimento, ancião conhecido como o orador do Mestre Irineu. Uma voz que ressoa no interior e a partir da doutrina do Daime, de culturas ayahuasqueiras, êxtases místicos, contextos amazônicos. Encanto que traz à tona estéticas das diásporas; uma poética da diversidade. Ecos de uma alfabetização ecológica. Encanto, poética, cultura que inspiram o trabalho da Companhia Casmerim.

Nesse sentido, considero de suma importância apresentar aos leitores, ainda que introdutoriamente, o portador dessa voz, dessa poética. Assim, compartilho logo abaixo o VERBETE  LUIZ MENDES de minha autoria, publicado no Uwa’kürü – dicionário analítico: volume 2. Boa leitura a todos! E se usarem o texto, lembrem de citar a fonte! 😉

O verbete apresenta trechos do LIVRO:  O ORADOR DO MESTRE RAIMUNDO IRINEU SERRA _ Diálogos, Memórias e Artes Verbais. Acesse o post  O LIVRO!

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Luiz Mendes

Foto: Lou Gold

Luiz Mendes

Luiz Mendes do Nascimento[1] (utilizando uma auto definição sua, homem de cor “marrom”) nasceu no seringal Nova Empresa, no estado do Acre, em 4 de janeiro de 1940. É o segundo dos sete filhos do casal Francisca Mendes do Nascimento, acreana filha de paraibanos, e José Mendes do Nascimento, proveniente do Ceará para trabalhar em seringais acreanos. Aos sete anos de idade se mudou, na companhia de seus pais, para uma colônia na Vila Aquiles Peret, localizada nas proximidades do Alto Santo. O jovem, alegre e festeiro Luiz Mendes travou amizade com Daniel Serra, sobrinho de Irineu. Certo dia Daniel o convidou para uma festa dançante na casa de seu tio, um forró com Daime e sem bebida alcoólica. Nessa festa Luiz conheceu aquele que se tornaria seu Mestre e também aquela que viria a ser sua esposa.

Rizelda Brito do Nascimento integrava a irmandade de Mestre Irineu desde os sete anos de idade e foi através dela que, no ano de 1962, Luiz Mendes ingressou no batalhão de Juramidam. Juntos, Luiz e Rizelda constituíram uma família numerosa que, em sua maioria, participa do Daime. São oito filhos: Saturnino (o primogênito), Solange, Solon, Solismar (que morreu aos dois anos de idade), Elias, Rosalange, Luiz e Holderness, e mais genros e noras, quinze netos e a bisneta Maria Flor. Consta ainda que Luiz Mendes conduziu para a doutrina os seus irmãos, Francisca, Raimundo e Nonato, além de sua mãe. Os pais de Rizelda, Elias Brito e Ana de Souza, bem como seus irmãos também fazem parte da irmandade daimista. Portanto, seria possível citar aqui muitos cunhados, cunhadas, e sobrinhos, evidenciando que as relações de parentesco estão presentes na formação dessas comunidades.

Mas, sua família é ainda maior. Seguindo uma longa trajetória de vida dedicada ao Daime e habitando atualmente na comunidade Fortaleza (Capixaba-Acre) padrinho Luiz e madrinha Rizelda possuem hoje uma infinidade de afilhados no Brasil e no exterior. São todos seus filhos e filhas na grande família de Juramidam.

Quando se casaram, Luiz e Rizelda, fixaram residência no Alto Santo. Luiz Mendes adotou o Mestre Irineu como seu próprio pai, passando a lhe chamar de padrinho e se esforçando para ser um filho querido. O Mestre por sua vez como pai zeloso que era dava atenção a todos por igual e sabia valorizar cada um com o seu dom especial. E foi assim que, em determinada ocasião, nomeou Luiz Mendes seu orador oficial. Foi também o Mestre quem pediu e incentivou-o a se tornar professor na “Escola Cruzeiro”,[2] em uma turma de alfabetização de jovens e adultos. Justo ele que começou a frequentar a escola somente por volta dos 12 anos de idade. A desenvoltura e a performance vocal de Luiz Mendes já chamavam a atenção.

Seu Luiz participava de todas as sessões com o Daime, que, nessa época, aconteciam às quartas e sábados, além dos Hinários bailados. Tornou-se um reconhecido “puxador” e mais à frente o “zelador” do hinário “Sois baliza” do senhor Germano Guilherme. Também foi chamado para ingressar na equipe de cura, que atendia aos doentes com trabalhos específicos sempre que havia necessidade. Ainda na época do Mestre Irineu, começou a receber hinos que mais à frente viriam a compor seus hinários “O Centenário” e “Novo Horizonte”, respectivamente, com 132 e 45 hinos.[3] Além dos dezenove hinos iniciais do “Centenário”, chegou a apresentar ao Mestre o primeiro dos seus quatro chamados de cura. Na presença do Mestre, na força e na luz de seu Daime eram muitas e intensas as mirações. Aprendizados profundos guardados até hoje em sua memória.

Após a morte de Mestre Irineu em 1971, e o deslocamento de Sebastião Mota em 1974, seu Luiz permaneceu no Alto Santo, então presidido pelo senhor Leôncio Gomes. Contudo, por volta do ano 1975 ou 1976, Luiz Mendes acompanhou o padrinho Sebastião, com quem já travara uma grande amizade, e frequentou a Colônia Cinco Mil por aproximadamente dois anos. Depois desse período, sem romper os laços fraternos com Sebastião e sua irmandade, decidiu retornar ao Alto Santo, onde foi recebido com alegria pelo senhor Leôncio. Em março 1980, Leôncio veio a falecer e o então assessor Francisco Fernandez Filho, conhecido como Tetéu, o substituiu na direção do Centro. Cerca de seis meses depois Tetéu se retirou ou foi convidado a se retirar do CICLU que ficou sob a responsabilidade da senhora Peregrina Gomes Serra, a viúva do Mestre Irineu. Ali mesmo no Alto Santo, Tetéu fundou outro núcleo daimista, também sob o registro de CICLU.[4] Luiz Mendes o acompanhou nessa empreitada e, em 1985, com a morte de Tetéu, assumiu o comando dos trabalhos e a presidência do Centro.

No campo profissional, continuou lecionando para jovens e adultos, como funcionário do município de Rio Branco. Paralelamente, prestou um concurso estadual, sendo aprovado e contratado como escriturário. Profissão pela qual se aposentou, com 31 anos de serviço, devido à problemas de saúde e muitas obrigações junto ao Centro daimista que então presidia.

Importante destacar que em toda essa trajetória seu Luiz continuou exercendo sua atividade de orador e puxador de hinários. Trabalhando de forma incansável a benefício dos irmãos e, com sua alegria e oratória, congregando muitas pessoas em torno de si, Luiz continua sendo um festeiro. Um homem que procura manter boas relações de amizade com as irmandades de todos os centros daimistas, inclusive, com a Barquinha e a União do Vegetal (UDV). A festa do Centenário do Mestre Irineu, realizada em 1992, pode ser lida como um grande exemplo dessa afirmação. Idealizada por Luiz Mendes e realizada com os esforços e dedicação da irmandade daimista, ela foi um marco em sua trajetória e também na história da doutrina de maneira geral. Seu Luiz e comunidade (os anfitriões da festa) conseguira congregar, ao longo de oito dias de festejos, grande parte dos segmentos e centros do Daime, da Barquinha e da UDV. O Centenário do Mestre Irineu foi comemorado por inúmeras pessoas do Acre e do mundo inteiro.

Os desdobramentos dessa festa impulsionaram Luiz Mendes para um “Novo Horizonte”. Por motivos de incompatibilidade de ideias, seu Luiz se desligou do CICLU-2. Em 1993, adquiriu a colônia Fortaleza que, nessa época, ainda não fazia parte do assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Em 1994, realizou a primeira de suas incontáveis viagens a convite de irmandades daimistas no Brasil e exterior. Dentro de um “pensamento novo” Luiz Mendes foi (e ainda vai) recebendo um “Novo Horizonte” e, aos poucos, edificando as condições básicas para, finalmente, em janeiro de 1998, aos 58 anos de idade, mudar-se com sua esposa para a Fortaleza e fundar, em conjunto com a irmandade que lhe acompanha, o Centro Eclético Flor do Lótus Iluminado (CEFLI), presidido por seu filho Saturnino. Luiz Mendes é então nomeado o mestre conselheiro. E a comunidade Fortaleza passa a receber, todos os anos, centenas de visitantes oriundos de diferentes localidades, no intuito de se aproximarem da doutrina do Mestre Irineu, aprender um pouco com os saberes, fazeres, dizeres, cantares e com a contagiante alegria e humilde sabedoria do padrinho Luiz.

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Gostaria de destacar que este ensaio é parte da pesquisa/dissertação tecida no interior e a partir do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre (PPGLI-UFAC)[5]. Pesquisa/escrita em que procurei me aproximar da pessoa de Luiz Mendes, das memórias gravadas em seu corpo, da poética da voz que desse corpo emana; de uma vida que se entrelaça a outras vidas e juntas se transformam criando e recriando histórias, memórias e identidades. E procurei trazer à tona os saberes, fazeres, dizeres e cantares apreendidos da/na presença de seu Luiz. Uma voz que ressoa no interior e a partir da doutrina do Daime, de uma comunidade amazônica. Importa destacar ainda que, no início da pesquisa, assumi um compromisso ético com Luiz Mendes e sua comunidade e ouvi o tom de alerta da nota inicial que Portelli fez soar: pessoas não estão para serem estudadas! Nota que gravei na memória e, espero, em minha pesquisa/dissertação. Assim, adotando a postura de pesquisadora/aprendiz, me dispus a aprender com Luiz Mendes e não sobre ele. Ciente da responsabilidade de minimizar o exercício do poder que se instala no ato da entrevista, da transcrição e da análise das narrativas, procurei estabelecer com o narrador, em todas as etapas do processo, um efetivo diálogo.[6] E, em contato/diálogo com esse ancião conhecido como o orador do Mestre Irineu me propus, então, a revistar uma dimensão da “cultura daimista”.[7]

 Que experiências e memórias estariam ancoradas no corpo de Luiz Mendes, constituindo seus saberes e fazeres?  De que forma ele as articula e produz sentidos em seus falares e cantares, suas performances (sua artes verbais)? Que papel o Daime e a oralidade desempenham em sua vida (e na vida da comunidade estabelecida ao seu redor)? Na constituição de sua poética, identidade e cultura? Seria ele um narrador? Um poeta? Um xamã? Um professor? Essas são problemáticas que direcionaram a pesquisa.

Durante o trabalho em campo, a transcrição do material colhido e a análise empreendida, a partir da perspectiva colocada pelos teóricos dos Estudos Culturais,[8] mergulhei em uma epistemologia ayahuasqueira[9]; em oralidades e práticas culturais amazônicas. Mais especificamente, penetrei na “cultura daimista”, na ciência do Daime conforme vivida/lembrada/narrada por Luiz Mendes. E me deparei com sua lógica xamânica[10], seu pensamento intuitivo;[11] com ecologia de saberes;[12] com estéticas diaspóricas[13] forjadas em zonas de contato[14] e a partir da circularidade de culturas.[15] Me deparei com o caráter artesanal de suas narrativas e performances;[16] com a flexibilidade de seus saberes e fazeres; com a plasticidade de suas memórias ancoradas no corpo; com a coexistência e intercâmbio de seres e saberes; com a poética da Relação[17] vivida e proclamada pelo orador do Mestre Irineu.

E, assim, me aproximei de “performances e literaturas insurgentes”,[18] de “repertórios de resistência”;[19] conhecimentos/práticas culturais que, embora sutilmente e dentro do processo de conformismo e resistência,[20] subvertem padrões hegemônicos calcados em um pensamento abissal, atávico, da modernidade ocidental e podem contribuir para a descolonização do imaginário. Conhecimentos/práticas que não poderiam ser adequadamente apreciados a partir de pressupostos da epistemologia da modernidade ocidental. Assim, procurei me distanciar do “etnocentrismo, miopia intelectual”[21] estabelecidos a partir da lógica racionalista cartesiana e das fraturas e paradigmas dela decorrentes tais como: a ilusão exclusivista do cientificismo; a extrema especialização e fragmentação das disciplinas acadêmicas; as oposições binárias: cultura versus natureza, oral versus escrito, erudito versus popular, corpo versus mente (ou espírito), sagrado versus profano, tradição versus inovação, etc. Paradigmas, fraturas e oposições que, de acordo com Albuquerque, Antonacci, Gilroy, Glissant, Hall, Hampàtê Bá, Mignolo, Orlandi, Zumthor[22] e diversos outros autores, serviram (e ainda servem) para justificar a anulação, exclusão, exploração, dominação, colonização (e em muitos casos o aniquilamento) do Outro; de corpos, mentes, territórios geográficos e culturais.

Destaco ainda que, embora seja impossível dissociar as múltiplas facetas que compõe a personalidade de Luiz Mendes, sei que a escritura tecida durante a pesquisa, e também neste ensaio, não é capaz, e nem tive a pretensão que fosse, de abarcar satisfatoriamente todas elas. Lanço o olhar ao Luiz homem sim, que se fez (e ainda se faz) em seu caminhar. Todavia, em minha perspectiva, direciono a atenção para o padrinho Luiz, líder de uma comunidade daimista, o mestre conselheiro, o orador do Mestre Irineu. E tenho a consciência que o Luiz filho, o Luiz esposo, pai, avô, bisavô, trabalhador aposentado, etc., embora não tenha sido esquecido, não foi contemplado à altura de suas experiências. Não tendo outra alternativa, me conformo com a incompletude de meu texto.

Dentro das possibilidades/limitações sofridas penso que aquelas problemáticas norteadoras da pesquisa foram, pouco a pouco, respondidas no decorrer da dissertação. Conquanto seja uma tarefa deveras arriscada, procuro a seguir, reunir e resumir, pelo menos em parte, o que foi ali discutido a respeito dos saberes de Luiz Mendes, de sua identidade fluída e das funções exercidas por sua pessoa e sua voz no interior de sua família espiritual daimista. E resumir ainda o papel do Daime na constituição de tais saberes; de sua poética, identidade e cultura.

De acordo com seu Luiz, o trabalho desenvolvido pelo Mestre Irineu “começou foi lá do zero!” a doutrina do Daime com seus cantos, bailados, concentrações, orações, fardas, enfim, com seus rituais e ensinamentos foi, pouco a pouco, recebida/constituída pelo Mestre Irineu, junto à irmandade que também, pouco a pouco se estabeleceu a seu redor. O próprio Irineu teve que “se fazer”. Teve que aprender com a bebida (Ayahuasca/Daime) e sua professora Clara, a Rainha da Floresta; passar por provas, trabalhar muitos anos para então chegar a ser o Mestre Irineu, o Chefe Império, o Rei Juramidam. Um Mestre que não quer só para si e que reparte seu saber com os seus irmãos “para serem a mesma flor”.[23] E dentro da epistemologia da Ayahuasca, da lógica xamânica da ciência do Daime, o Mestre e o Daime se unificam e ensinam e curam aqueles que lhe procuram. E é justamente dentro dessa escola, dessa medicina, dessa ciência do Daime que Luiz Mendes se cura (inúmeras vezes) e aprende e/ou desenvolve (continuamente) seus dons, seus saberes. E ouso dizer que, na constituição de sua identidade, transformando-se a si mesmo, aprendendo e também ensinando, ele caminha passo a passo pela estrada que o Mestre andou.

Nas memórias ancoradas em seu corpo e nas narrativas que ressoam na voz que desse corpo emana, constituindo sentidos a partir do tempo presente,[24] em diálogo com seus hinos e outros mais, seu Luiz tece representações acerca de sua trajetória de vida, suas experiências e aprendizados na doutrina do Daime. E na apreciação de seus textos, performances e poética teço minhas próprias representações e percebo-o como o passarinho artista, o rouxinol, na diversidade e arte do seu cantar sem fim; percebo-o como xamã, especialista do sagrado, rezador e benzedor, cantador de encantos, tradutor de línguas, linguagens e mundos; portador da voz poética, da voz religiosa e iniciática, artista do verbo, contador de histórias, narrador, conselheiro, professor, pregador, ancião, homem-memória; poeta da diversidade, festeiro, líder religioso, centurião; um irmão com alegria (e humildade), um jogral de Deus. Mestre da Ayahuasca (Daime), mestre da palavra e de leitura; o orador do Mestre Irineu.

É preciso lembrar, contudo, que fora do grupo a que é destinado, o sentido do texto se esvai.[25] Por isso nunca é demais destacar que, é no interior e a partir da doutrina do Daime, de contextos amazônicos e tendo como veículo, guia e professor o próprio Daime, que Luiz Mendes aprende, desenvolve e apresenta seus dons, seus saberes (e é aí também que fala aos que apreciam ouvi-lo). Saberes/dons dentre os quais destaco os mediúnicos ou xamânicos: sua capacidade de ver, ouvir, sentir, intuir, dialogar, estabelecer contato com realidades e entidades não ordinárias; de se comunicar telepaticamente com os “invisíveis”; de realizar viagens extáticas em sonhos e mirações, por tempos e lugares outros. Aos saberes mediúnicos somam-se e/ou interpenetram os saberes de curador, de tradutor de línguas e realidades e de diplomata e a função de intermediar junto aos seres sobrenaturais, pelo bem dos seus; de trabalhar a benefício dos doentes, dos moribundos e dos mortos.

Como xamã, curador, tradutor Luiz Mendes desenvolve e apresenta também seus saberes musicais e da voz ritual, da voz iniciática, posto que ao entrar em contato com os seres curadores escuta e aprende seus cantos e os executa (ou executava, pois hoje “o fôlego não dá mais”) com competência, intimando “a divindade a estar presente”.[26] E até seus saberes do mundo das charadas, suas competências para pelejas ou desafios, dentro do contexto ritual daimista são refuncionalizados e exercem a função de expulsar as doenças, os espíritos indesejados. Saberes da voz e de curador se unem aos saberes religiosos e também aos de leitor, e o rezador e benzedor exerce, pelo menos por algum tempo, a arte de curar as pessoas que lhe procuram (e até os animais).

Aos saberes xamânicos e de tradutor (de mundos e de linguagens), somam-se mais uma vez os musicais e da voz poética. E as viagens extáticas, as experiências vividas no estado proporcionado pelo professor vegetal/espiritual, os contatos e diálogos sobrenaturais, se desenlaçam em hinos, em poemas cantados, bailados, tocados… Vividos e refuncionalizados pelo próprio cantor-poeta e também pelos ouvintes-cantores. Mas é importante lembrar que as experiências vividas em espaços e tempos sagrados não são desvinculadas da pessoa humana que as vive e de suas vivências cotidianas, individuais e sociais. Assim os hinos de Luiz Mendes, resultado de uma conjunção de saberes (xamânicos, musicais, da voz e da palavra), traduzem vivências cotidianas e sagradas em uma linguagem poética e musical, em “perceptus” e “afetus”.[27] E afirmam, simultaneamente, sua trajetória terrena e espiritual, a contínua constituição de sua identidade, de seus saberes. E ao mesmo tempo, afirmam e reatualizam a “cultura daimista” em que ele se insere. Confirmando as proposições de Zumthor, considero que pela voz poética de Luiz Mendes pronuncia-se “uma palavra necessária à manutenção do laço social, sustentando e nutrindo o imaginário, divulgando e confirmando os mitos, revestida nisso de uma autoridade particular, embora não claramente distinta daquela que assume o discurso do juiz, do pregador, do sábio.”[28]

 Suas experiências extáticas e cotidianas se desdobram ainda em seus saberes/fazeres de contador de histórias, de narrador. É por meio das habilidades e expressões de seu corpo e de sua voz, de sua linguagem humana, de sua arte de narrar, de sua presença, de suas performances que os ouvintes podem ter acesso à realidades outras (humanas e sobrenaturais) e assim, expandir o imaginário. Confirmando e ampliando as percepções iniciais que eu nutria a seu respeito, Luiz Mendes, como o narrador de Benjamim,[29] une os fios dourados do sagrado aos fios coloridos do cotidiano, os fios da memória e da experiência (suas ou de outrem – escutadas ou lidas – que ele incorpora) e tece, em diálogo com seus interlocutores visíveis e invisíveis, suas narrativas e poesias, seus contos, cantos e preleções, dentro e fora de rituais. Ele parece encerrar em si os dois tipos de narrador citados por Benjamim: aquele trabalhador sedentário que conhece as histórias e tradições do lugar, que possui o saber do passado; e, ao mesmo tempo, aquele que viaja muito, que incorpora o saber de outras terras e tem muito que contar (no caso viaja por lugares e tempos deste mundo e de outros). Como ele mesmo canta: “este mundo é de Deus/Quatro são os seus recantos/Sempre saio por aí/Sempre fico no meu canto”.[30]

Ao articular suas memórias e experiências de vida em narrativas e transmiti-las por sua voz (em cantos, contos e/ou preleções) seu Luiz apresenta a habilidade de congregar pessoas em torno de si; apresenta sua sabedoria viva. Os ouvintes estão sempre na presença do narrador, naquele aqui-agora da performance. E as histórias narradas, cantadas, dramatizadas, por não se restringirem à mera informação, podem ser refuncionalizadas e incorporadas à experiência pessoal dos interlocutores. É assim que, no próprio ato de narrar (e de cantar) desabrocham em Luiz Mendes os saberes e a funções de conselheiro e de professor[31] que, olhando do lugar de onde ele fala hoje, se associam aos seus saberes e sua função de ancião, de homem-memória. “Aquele que conhece”[32] e a partir de suas memórias sem arquivo, memórias ancoradas em seu corpo,[33] lembra, narra e mantém viva a memória da comunidade em que está inserido. Memória que quando transmitida aos mais jovens por suas narrativas assume, muitas vezes, o caráter de ensino e de conselho, de sabedoria[34]; memória que é “constantemente atualizada pela oralidade e desse modo, os momentos de aprendizagem são sempre momentos de atualização da cultura e do saber”.[35] E aqui volto a afirmar que Luiz Mendes, agora um ancião de 77 anos, com suas memórias e artes verbais, com seu exemplo, constitui um acervo vivo da doutrina do Daime, com seus saberes e fazeres.

Levando em conta o contexto da oratória, das performances de seu Luiz, que é a própria doutrina do Daime, nos saberes de sua voz, de sua poética, vislumbro também seus saberes e sua função de líder religioso. Em sua arte das palavras ele cria metáforas, cria imagens que conduzem as percepções dos ouvintes-interlocutores. Dentro de sua alegria e simplicidade, tecendo conselhos e ensinado a comunidade estabelecida ao seu redor, Luiz Mendes pronuncia uma palavra persuasiva, ordenadora. Uma palavra que promulga os princípios da doutrina do Mestre Irineu conforme o orador a apreende e pratica. E que, conforme a percebo, se trata de uma palavra/poética da Relação. Não atávica, não abissal.[36]

 Eis aí mais um de seus saberes: a poética da Relação. Saber que permeia e se soma aos já citados e ainda aos saberes/dons do bem viver: da alegria, da humildade, da sociabilidade, do gosto pelo calor humano, pelos intercâmbios interculturais. Saberes que reunidos e multiplicados, desabrocham em festa. Em muitas festas. Festas daimistas, é preciso lembrar. Festas da Rainha da Floresta, da Virgem Maria, da Rainha do Mar. Festas feitas por e para as pessoas (e também entes sobrenaturais) onde se celebra a alegria e a diversidade e não se exclui ninguém. Aí, em seus saberes de festeiro, seu Luiz é capaz de abrir-se ao Outro e recriar-se. De conceber um pensamento novo, um novo horizonte e dentro deles viajar mundo afora e congregar pessoas do mundo inteiro em torno de si. Pessoas que querem ouvir seus cantos e encantos; seus contos e preleções; e suas gargalhadas! Compartilhar da alegria e da sabedoria que sua presença oferece. Pessoas que querem “beber nas fontes” dos saberes daimistas, no caso, dos saberes daimistas conforme aprendidos, vividos proclamados pelo padrinho Luiz, um dos arautos do Rei Juramidam.

Dentro da abordagem realizada é preciso destacar que seria impossível fixar sua pessoa em uma identidade estanque. Utilizando-me das palavras do poeta martinicano, posso dizer que seu Luiz é um contínuo “sendo”.[37] Inserido em um pensamento/prática ecológico, diaspórico, arquipélago ele é capaz de afirmar sua própria identidade e, ao mesmo tempo, transformar-se continuamente em contato com o Outro (Outro que pode ser entendido como: o Daime, seres humanos e sobrenaturais, culturas, tempos, lugares…). Não se trata, pois, de uma identidade de raiz única que para se auto afirmar precisa excluir ou matar tudo a sua volta; trata-se de uma “identidade relação”, identidade rizoma no sentido de “raiz indo ao encontro de outras raízes”[38] sem, contudo, se diluir. Luiz Mendes é capaz ainda, de afirmar e praticar a tradição da doutrina do Daime, revigorando-a e também recriando a “cultura daimista” por ele aprendida, vivida e ensinada. Nele, identidade e cultura são fluidas mas, ao mesmo tempo, bem definidas, estabilizadas.[39] Na pessoa, nos saberes e fazeres de Luiz Mendes tradição e novidade intercambiam, se complementam; e aquela impressão que eu nutria a seu respeito antes do início da pesquisa é, mais uma vez, reafirmada e ampliada.

Olhando por essa perspectiva, as memórias e artes verbais do orador me permitem, entre tantas possibilidades, a seguinte leitura: Se o trabalho do Mestre Irineu é um trabalho vivo e se o próprio Mestre é também vivo; e se a doutrina é feita para e por pessoas e sem elas “não tem nenhum sentido”, pessoas que também são vivas e, como o próprio Mestre, se transformam em sua caminhada; posto está que a doutrina só pode ser apreendida como uma tradição viva. E se é viva, está em constante relação de troca; precisa ser flexível para integrar-se ao ambiente e adaptar-se a novas circunstâncias; e, ao mesmo tempo, precisa se auto afirmar, manter sua estabilidade, que não é fixa nem inalterável, mas dinâmica, em contínuo movimento, assim como todo o universo.[40]

 Em diálogo com os textos, performances e poética de Luiz Mendes (escutados, “com-vividos”, gravados, transcritos e analisados) considero que, dentre tantas possíveis definições, para ele e sua família espiritual o Daime é o Mestre; é a casa da Virgem Mãe; é bebida sacramental, doutrina, disciplina, missão, organização social; é medicina e é o curador; é fonte de saber, lugar de aprendizagem e é o professor; é veículo para acessar realidades extraordinárias e melhor apreender a realidade cotidiana; é luz e força, virtude e amor; é  festa, diversidade, música, dança e poesia… É fonte de renovação, é o pulsar da própria vida.

Analisando sob a ótica dos Estudos Culturais[41] fica claro que como vida, ou como cultura viva, aprendida, praticada, criada e recriada pelas pessoas; pessoas que também são vivas e que, portanto, estão em contínuo movimento; se relacionam e se transformam; estabelecem trocas entre si e com a natureza; natureza que também é viva e, portanto, também está em movimento; que dentro da epistemologia da Ayahuasca é habitada por uma profusão de seres vivos, humanos, animais, vegetais e sobrenaturais; aí até os mortos são vivos e se relacionam e se transformam… Enfim, fica evidente que, enquanto vida, a “cultura daimista” ou a doutrina do Daime não cabe em inventários fixos, em discursos essencialistas e generalizadores forjados para a nação, em “modelos fechados, unitários e homogêneos de pertencimento cultural”[42] que geram disputas pela legitimidade ou hierarquias de grupos e instituições. Ela também não cabe em discursos médicos e jurídicos pautados exclusivamente pela lógica racionalista da modernidade ocidental. Discursos que continuam a afirmar os padrões do colonizador; que continuam a excluir, perseguir e/ou silenciar o Outro; continuam a oprimir e colonizar mentes e corpos. Discursos que se distanciam absurdamente das profundas vivências e aprendizados de mulheres, homens, velhos e crianças com essa “bebida que tem poder inacreditável”[43] dentro do trabalho do Mestre Irineu.

Gostaria de considerar ainda que ao lembrar, narrar e cantar gotas de sua trajetória de vida, de suas experiências Luiz Mendes afirma que a doutrina do Daime é o maior achado de sua existência. Ela lhe possibilitou um novo nascimento e permite recriar-se continuamente como um homem novo.[44] Essa afirmação me remete à Albuquerque quando, diferenciando os saberes culturais do conhecimento científico, sugere uma epistemologia pragmática (no interior da qual penso que se insere a epistemologia da Ayahuasca) onde “o mais importante talvez seja saber se a reza deu certo, se o doente se curou ou se o remédio funcionou”.[45] Uma epistemologia onde “os critérios de validação precisam ser buscados dentro da própria experiência, para além dos julgamentos estabelecidos pela soberania epistêmica da ciência moderna.”[46]

As memórias e artes verbais do orador do Mestre Irineu e sua afirmação destacada anteriormente me remetem a Hall e me permitem considerar, em uníssono com ele que “o que esse ‘desvio através de seus passados’ faz é nos capacitar, através da cultura, a nos produzirmos a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos. Portanto não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós fazemos das tradições”.[47] Assumindo a proposição que culturas e estéticas diaspóricas “são irremediavelmente ‘impuras’”;[48] estéticas presentes em saberes e práticas forjados em zonas de contato, em manifestações inesperadas que “ampliam a Diversidade: minorias ainda há pouco desconhecidas e esmagadas sob o peso de um pensamento monolítico, manifestações fractais das sensibilidades que se reconstituem e se reagrupam de maneira inédita”.[49] Constituições culturais e identitárias não previstas pelo colonizador, onde a dita “impureza” antes de ser perda, é justamente o “achado”. Nas palavras de Salman Rushdie afirmadas por Hall “o hibridismo, a impureza, a mistura, a transformação que vem de novas e inusitadas combinações dos seres humanos, culturas, ideias, políticas, filmes, canções é como a novidade entra no mundo.”[50]

Os contos, cantos e preleções apreciados trazem à tona saberes/práticas de Luiz Mendes. Saberes nos quais pude vislumbrar rastros/resíduos[51] de culturas da letra e da voz, de florestas e cidades, de Amazônias e Nordestes, de Brasis, Áfricas e Europas… Saberes/ práticas constituídos a partir da epistemologia ayahuasqueira, de estéticas diaspóricas, de traduções culturais, que compõem em si mesmos uma poética da Diversidade, uma poética da Relação.

Saberes donde floresce a poética daimista de Luiz Mendes do Nascimento, o orador do Mestre Irineu. Aí a doutrina do Daime se manifesta/é manifestada como cultura compósita que é, capaz de fazer o novo entrar no mundo.

companhia casmerim

FONTE:

MENDONÇA, F,C. Verbete: Luiz Mendes. In: ALBUQUERQUE, G.R; PACHECO, A. S. (Org. ) Uwa’kürü – dicionário analítico: volume 2. Rio Branco: Nepan, 2017, p. 179-197.)

GLOSSÁRIO:

Alto Santo: Por volta do ano de 1946, Raimundo Irineu Serra recebe do então governador do Acre, Guiomard dos Santos, a doação de uma colocação na colônia chamada Custódio Freire, localizada na zona rural de Rio Branco, colônia que fica conhecida como Alto Santo, atualmente bairro Irineu Serra. Nessa localidade a irmandade daimista cresce formando uma grande comunidade e a doutrina do Daime é consolidada. [52]

Ayahuasca: Ayahuasca é o nome quíchua de uma bebida feita a partir do cipó Banisteriopsis caapi e das folhas Psychotria viridis, utilizada milenarmente por muitos povos das muitas Amazônias. Embora entre os diversos povos indígenas ocorram variações nessa composição, sendo possível adicionar outras plantas ao cozimento. Entre determinados grupos indígenas ela pode, inclusive, ser feita apenas com o cipó Banisteriopsis. Luiz Eduardo Luna contabilizou 42 nomes diferentes para o preparado feito a partir do cipó Banisteriopsis. Etimologicamente o termo quíchua Ayahuasca é formado pelas expressões Aya: persona, alma espíritu muerto; Wasca: cuerda, enreadera, liana. Daí a possível tradução “cipó das almas”.[53] A bebida atua sobre o corpo/mente daqueles que a ingerem e possui muitos usos de acordo com o contexto em que está inserida. Pode ser usada para cura de doenças (físicas, psíquicas, emocionais…) para reconhecer o poder curativo de outras plantas, para um profundo conhecimento de si mesmo e/ou de outras realidades, seres e tempos, etc.

Barquinha: Por volta de 1937, o também afrodescendente e maranhense, Daniel Pereira de Mattos, conhece o Daime com o Mestre Irineu. Em 1945, funda, em uma colônia situada na Vila Ivonete, seu próprio culto. Embora com ritos e fundamentos distintos, Mestre Daniel utiliza a bebida em seus cultos com o mesmo nome cunhado por Irineu: Daime. Em alusão ao local onde eram realizados os ritos, na época, sua doutrina fica conhecida como Igrejinha ou Capelinha de São Francisco. Após o falecimento de Daniel, em 1958, seus discípulos instituem-na formalmente como Centro Espírita e Culto de Oração “Casa de Jesus’ – Fonte de Luz.[54] Posteriormente, surgem outros grupos dentro da missão de Daniel.  A partir da década de 1980, o nome Barquinha passa a ser difundido para referir-se aos centros da missão de Mestre Daniel. Terminologia essa que adoto neste estudo.

Clara: De acordo com os estudos de Luis Eduardo Luna, a Ayahuasca é considerada uma planta mestra, uma planta professora habitada por um “dono”, ou uma “mãe” que transmite àqueles capazes de vê-la/ouvi-la, seus cantos, visões e ensinos.[55] No contexto da doutrina do Daime a professora é Clara, a senhora da Lua, a Rainha da Floresta, a Virgem da Conceição. A guia e professora do Mestre Irineu em seu caminho com o Daime.

Daime: a Ayahuasca é rebatizado por Raimundo Irineu Serra com o nome de Daime referindo-se ao verbo dar: “Dai-me luz”, “dai-me força”, “dai-me amor”, “dai-me saúde”. Seriam invocações ou pedidos feitos ao se tomar o chá. O nome da bebida virou sinônimo da doutrina fundada pelo Mestre Irineu: Daime ou Santo Daime.[56]

Hinos: no contexto daimista são mensagens percebidas/recebidas (primeiramente pelo Mestre Irineu e posteriormente por seus discípulos) em momentos de contato com realidades não-ordinárias vivenciados sob o efeito do Daime. Não podem, contudo, ser desvinculados da pessoa que os recebe; pessoa inserida em contextos históricos e socioculturais. Poemas cantados que, dentro de uma tradição oral, são primeiramente escutados/percebidos/vivenciados pelo “receptor” e posteriormente transmitidos por sua voz aos demais. Constituem a base fundamental do culto daimista no que diz respeito ao ritual propriamente dito, à transmissão e preservação dos saberes e aos princípios éticos a serem praticados pela irmandade no dia-a-dia. “Prece cantada com força de rito, o hinário funciona como breviário. Um guia místico que ajuda a conduzir as experiências extáticas ou, nos níveis do excesso de energia, colabora na solução de problemas diários”.[57]

Juramidam: É o nome espiritual de Raimundo Irineu Serra, o Mestre Irineu.

Mestre Irineu: Raimundo Irineu Serra, Mestre Irineu, o fundador da doutrina do Daime, era um homem negro, de quase dois metros de altura, nascido na cidade maranhense de São Vicente de Férrer em 15 de dezembro de 1892. Filho de Sancho Martinho Serra e Joana Assunção Serra, primogênito de uma família de cinco irmãos. Em 1912 se deslocou do Maranhão para o Acre a fim de trabalhar na extração do látex. Nos primeiros anos residiu em Xapuri e, na região fronteiriça entre Brasil, Peru e Bolívia, a convite de Antônio Costa, conheceu a Ayahuasca com alguns caboclos peruanos. Passando por um período de iniciação xamânica, com dietas e provas características, fitando a lua teve uma visão com uma mulher chamada Clara, identificada como a Rainha da Floresta, a Virgem da Conceição: sua professora que veio lhe entregar a missão de formar e zelar uma doutrina.[58]

Miração: é o nome dado na doutrina do Daime para os efeitos do chá, que comportam a ampliação da percepção comum. Durante a miração a pessoa pode receber curas; ver, ouvir, sentir, perceber outras realidades/mundos/seres; experimentar/entender realidades cotidianas por perspectivas não ordinárias. “Para um iniciante é antes de tudo, uma viagem ao seu interior”.[59]

UDV: Em 1959, o baiano José Gabriel Costa, residindo e trabalhando em um seringal no então, Território Federal de Rondônia, conhece a bebida com um também seringueiro chamado Chico Lourenço. Em 1961, funda a União do Vegetal (UDV). Uma nova doutrina religiosa, estabelecendo outras práticas em torno da Ayahuasca, que será chamada de Hoasca ou Vegetal. Instalando-se, em 1964, na cidade de Porto Velho, Mestre Gabriel vai formatando sua doutrina que, em 1967, é registrada como Associação Beneficente União do Vegetal, sendo transformada, em junho de 1971, em Centro Espírita Beneficente União do Vegetal – CEBUDV.[60]

REFERÊNCIAS:

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ENTREVISTAS

MENDES, Luiz. Memórias e narrativas sobre sua vivência na doutrina do Daime. Comunidade Fortaleza, Capixaba, Acre; Luzeiro da manhã, Bujari Acre. Narrativas concedidas à Fernanda Cougo Mendonça no período de 15 de junho de 2014 à 10 de agosto de 2015.

HINOS

Luiz Mendes, “Novo Horizonte”, Hinos nº 15.

Raimundo Irineu Serra (Mestre Irineu) “O Cruzeiro”, Hinos nº 89, 123.

NOTAS

[1] Conhecido na doutrina do Daime como Luiz Mendes.

[2] Luiz Mendes, em comunicação pessoal contou que a Escola Cruzeiro foi idealizada e iniciada por Mestre Irineu no Alto Santo. Posteriormente tornou-se uma escola municipal, na mesma localidade. Após um período de transição foi transformada na Escola Municipal Mestre Irineu.

[3] O “Novo Horizonte” continua a ser recebido por Luiz Mendes.

[4] Doravante CICLU-2.

[5] Mendonça, Memórias e artes verbais de Luiz Mendes do Nascimento, o orador do Mestre Irineu, 2016.

[6] Portelli, Ensaios de história oral, 2010, p.216.  Idem, Projeto de História, 1997.

[7]A expressão está colocada entre aspas porque, fundamentada nos referenciais teórico-metodológicos da pesquisa, entendo que não existe uma cultura do Daime no singular. Ela não pode ser fixada em inventários fixos ou a parir de essencialismos enganosos, porque se trata de uma tradição viva; aprendida, vivida, constituída, atualizada por diferentes pessoas, em diferentes tempos e contextos. Pessoas que também são vivas.

[8] Hall, Da diáspora, 2003; Williams, Cultura e Sociedade, 2011; Idem, Marxismo e Literatura 1979.

[9] Albuquerque, Epistemologia e saberes da Ayahuasca., 2011.

[10]Idem, Epistemologia da Ayahuasca e a dissolução das fronteiras Natureza- Cultura da Ciência Moderna, 2014

[11] Capra, O ponto de mutação, 2012, p.37.

[12] Santos, Epistemologias do Sul, 2009.

[13] Hall, op. cit.

[14] Pratt, Os olhos do império, 1999.

[15] Glissant, Introdução a uma poética da diversidade, 2005.

[16] Zumthor, A letra e a voz, 1993, p.129; Benjamim, Magia e técnica, arte e política, 1994, pp.197-221.

[17] Glissant, op. cit.

[18] Antonacci, Memórias ancoradas em corpos negros, 2014, p.333.

[19] Hall, op. cit., 229.

[20] Chauí, Conformismo e Resistência, 1987.

[21] Zumthor, Introdução à poesia oral, 2010, p.42.

[22] Ba, Amkoullel, 2003; Gilroy, Atlântico Negro, 2001. Mignolo Desobediência epistêmica, 2008, Orlandi, Terra à vista!, 1990. E demais autores/obras já citados.

[23] Cf. Hino nº 89, “O Cruzeiro”, Mestre Irineu.

[24] Sarlo, Tempo passado, 2007.

[25] Zumthor, op. cit., 1993, p.226.

[26] Idem, op. cit., 2010, p.297.

[27] Machado, Seminário Temático “Filosofia e Linguagem”, 2014.

[28] Zumthor, op. cit. 2010, p.67.

[29] Benjamim, op. cit., 1994, pp.197-221.

[30] Hino nº15, “Novo Horizonte”, Luiz Mendes.

[31] Benjamim, op. cit.

[32] Bá, op. cit., p.174.

[33] Antonacci, op. cit.

[34] Bosi, Memória e Sociedade, 1994, p.481.

[35] Idem, Ibidem, pp.670-671

[36] Expressões de: Glissant, op. cit.; Albuquerque, op. cit., 2011.

[37] Glissant, Ibidem, p.30.

[38] Idem, Ibidem, p.35.

[39] Estabilidade lida de acordo com as proposições de Capra com relação aos organismos vivos (que equilibram as duas tendências, que se auto organizam): “Os significados que o dicionário dá para a palavra ‘estável’ incluem ‘fixo’, ‘não flutuante’, ‘inalterável’ e ‘permanente’, todos adjetivos inadequados para descrever os organismo. A estabilidade de organismos auto organizadores é profundamente dinâmica”. Capra, op. cit., p.264.

[40] Capra, op. cit., pp.42 e 262-264

[41] Conforme propostos por Williams e Hall.

[42] Hall, op. cit., p.47

[43] Hino nº 123, “O Cruzeiro”, Mestre Irineu.

[45] Albuquerque, Pesquisas em Estudos Culturais na Amazônia, 2015, p. 670.

[46] Idem, Ibidem, p.671.

[47] Hall, op. cit., p.44.

[48] Idem, Ibidem, p.34.

[49] Glissant, op. cit., p.27.

[50] Rushdie apud Hall, op. cit., p.34.

[51] Glissant, op. cit.

[52] MacRae, Guiado pela Lua, 1992, pp.66-70; Monteiro da Silva, O Palácio de Juramidam, 1983,pp.61-62.

[53] Cf. Luna, Bibliografia sobre el ayahuasca, 1986, pp.235-245. Idem, op. cit., 2005, pp.333-352; Cesarino, Oniska, 2011.

[54] Araújo, Navegando Sobre as Ondas do Daime, 1999; Oliveira, De folha e cipó é a Capelinha de São Francisco, 2002.

[55] Luna, Xamanismo amazônico, antropomorfismo e mundo natural, 2002, pp.181-200.

[56] Rabelo Daime Música, 2013, p.9.

[57] Monteiro da Silva, op. cit., p.89.

[58] Cf. Fróes, História do Povo Juramidam, 1986; MacRae, op.cit. 

[59] Fróes, op. cit., p.36.

[60] Bernardino-Costa (org.) Hoasca, 2011.

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